segunda-feira, 16 de março de 2009

VELHOS CASARÕE DO AÇU


Por Franklin Jorge

Os velhos casarões do Açu, remanescentes de um passado colonial, são testemunhas silenciosas de uma época efervescente em que o município exercia ainda um grande influência política e econômica sobre a província, repercutindo na Corte onde alguns açuenses gozavam de prestigio junto ao Imperador.

Sob o reinado de Dom Pedro II dois açuenses obtiveram títulos nobiliárquicos de barão, um deles o doutor Luis Carlos Lins Wanderley, primeiro médico norte-rio-grandense formado na Bahia; e, por nove vezes, vice-governador da província. Foi distinguido com a Ordem da Rosa, comenda das mais cobiçadas, concedida pelo Imperador.

A burguesia açuense era toda rural, mantendo casas na cidade a partir do século 18, como ponte de passagem entre mundo exterior e suas fazendas de criação. Influênciadas pela arquitetura portuguesa essas construções se destacavam por sua solidez e sobriedade. Quase todas elas foram palco de histórias que passaram a fazer parte do imaginário coletivo da cidade, compondo um verdadeiro romance, capaz de apaixonar o leitor mais refratário ao pitoresco de personagens e situações.

Solon Wanderley, que foi até sua morte a “memória viva” da cidade, sabia contar com humor e irreverência a crônica dessas casas velhas de dois séculos. Em certa época, por exemplo, teria morado no sobrado da baronesa de Serra Branca, no quadro da Matriz, uma mulher que vivia em estado de amancebamento e que por isso não tinha o direito sequer de botar os pés na calçada para olhar a rua. Somente ao cair da noite, arriscava uma olhadela entre as frestas da janela, ganhando por isso o apelido de Coruja Manteúda.

O velho Benjamim Soares, 87 anos, conta que em 1917 caiu um raio sobre o sobrado do doutor Luiz de Oliveira, na então rua das Hortas (atual Moisés Soares), “assustando Dona Amelinha, que ficou e caldo por vários dias”. O marido dela, doutor Luiz “teve uma desavença com o padre Brilhante e teria sido o mandante de um atentado contra o seu desafeto”, recorda Benjamim.

“Uma noite, o padre Brilhante estava no alpendre de sua casa, na fazenda São João, quando sofreu o atentado executado pelo próprio delegado do Açu, Joca Guabiraba, que era o pai da primeira mulher do poeta Moysés Sesyom. O padre escapou, pois o delegado não tinha boa pontaria. Guabiraba acabou seus dias pedindo esmolas pelas ruas do Açu. Era um homem terrível que costumava dizer que queria morrer fazendo o mal. Moysés Sesyom o ridicularizava em seus versos. Uma vez, na feira de Sacramento (hoje Ipanguaçu), Guarabira lhe mandou um mote acintoso (“Eu vi um poeta de chifre/Na feira de Sacramento”). Moysés, que havia sido traído pela própria filha de Guabiraba, respondeu que não conhecia rima pra chifre...”

Benjamim recorda que uma irmã do escultor José Leão, considerado um gênio por Luis da Câmara Cascudo que o entrevistou em 1934, casou-se com o rico comerciante Sebastião, proprietário do velho sobrado em cujo térreo funciona hoje a Betsy Butique.

“José Leão morava na Capunga e nunca casou. Toda noite ele vinha tomar um cafezinho na praça do Rosário, onde ficava conversando até as 10h. Tinha a mania de olhar para dentro das casas através das frestas das janelas. Quando estava para morrer, já acamado, pediu a uma mulher que passava que lhe fizesse um chá por caridade. Depois que foi atendido, disse que outra não lhe aconteceria mais: morrer solteiro...”

Sabedor das velhas histórias do Açu, Benjamim Soares conhece cada um desses casarões que resistem à indiferença dos homens. Mas, até quando?

PESQUISA KATIENE SOARES

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